Rogérião dá entrevista à Folha
Torcedores de clubes do interior falam da relação de amor com seus
times, centenários ou quase, mas que jamais celebraram grandes conquistas (Por
Lucas Reis).
Um professor de música da USP de Ribeirão Preto simplifica uma das
maiores indagações da humanidade. "Sabe o que é a vida? A vida é o
passatempo entre dois jogos do Comercial", diz.
E pensar que os corintianos adoram dizer que são sofredores. Mas,
francamente, no futebol tortura não é encerrar o tão aguardado ano do
centenário sem títulos, e sim atravessar um século inteiro sem conquistas de
destaque no Estado, muito menos nacionalmente.
"Torcer pelo Comercial significa exclusivamente amor à camisa, não
importando onde esteja o time", afirma Rubens Ricciardi, 46, o professor
de música apaixonado por um clube que comemora cem anos em 2011 e que nunca lhe
deu nenhuma grande conquista em campo.
Como ele, o interior de SP tem uma série de exemplos de
"sofrimento" aliado a amor à camisa. A Folha conversou com quatro dos
mais fanáticos torcedores de Comercial, Rio Branco, Ponte Preta e Rio Claro:
todos tradicionais, com cem anos ou quase, torcidas apaixonadas e nenhum título
importante.
Em comum, declarações de amor incondicional. "Há uma relação
afetiva e prazerosa de ir ao [estádio] Palma Travassos, ficar no alambrado e
ver o Comercial."
Ricciardi explica de onde vem tanto amor. "Sou um sujeito que torço
para o time da minha cidade. Não tenho essa ilusão de comprar um produto que
passa na televisão. Quem é de Ribeirão e torce para um time da capital é apenas
um consumidor à distância, não tem identidade."
Mas é difícil desvendar a receita -se é que ela existe- para se
idolatrar um time que nunca ganha nada.
"É uma coisa até difícil de explicar. O amor que nós temos pelo Rio
Branco é muito grande", conta o representante comercial Rogério Lopes
(foto Mateus Bruxel/Folhapress), 38 anos, todos dedicados ao clube que em 2011
completará 98 anos, sem nenhum título relevante.
Lopes contabiliza alguns "frutos" de sua devoção. "Já
larguei três mulheres por causa do meu time. Fiquei sete anos seguidos sem
perder um único jogo do Rio Branco, dentro e fora de casa. Tenho orgulho de ser
Rio Branco."
Talvez apenas uma expressão poderia explicar o tamanho do fanatismo da
aposentada Iracy Troques Franzomi, 73, pelo Rio Claro, que completará 102 anos
em 2011.
"Virgem Maria! Eu acompanhei o Rio Claro por todo o interior do
Estado até pela quarta divisão. Conheço todos os estádios de São Paulo",
diz a famosa dona Iracy. Ela se orgulha de ter costurado em sua máquina uma
bandeira gigante do clube.
A paixão, conta, começou com o marido. "Quando me casei, ele era
rio-clarista fanático. Peguei gosto pelo time, passei a acompanhar, ia a todos
os jogos. Agora, por causa da minha saúde, não estou acompanhando muito. No ano
que vem, se Deus ajudar, ele vai voltar para a Série A-1", conta a
aposentada.
"Já tive muitas alegrias com o Rio Claro. Mas hoje eu posso dizer
que sou uma sofredora. A situação do time é muito ruim", relata.
Mas dor de verdade provou o músico Jorginho Araújo, 52. "Foi a
maior agulhada que eu já senti como torcedor da Ponte Preta", afirma ele,
que tinha 19 anos quando viu o Corinthians vencer a Ponte por 1 a 0 no famoso
Campeonato Paulista de 1977. "Peguei um ônibus sozinho e fui parar no
Morumbi. Chorei feito criança", conta.
"Como sou músico, no dia seguinte, ainda em São Paulo, fui tocar no
Círculo Militar. E quem estava presente? Ninguém menos do que o árbitro da
partida, o Dulcídio [Wanderley Boschilia]. A Ponte foi usurpada naquele jogo.
Nem a seleção brasileira ganharia do Corinthians."
Araújo compôs uma série de canções para a equipe campineira, entre elas
o hino ao centenário, completado em 2000. "Sofredor? Não, não me deixo
levar por este lado. Já sofri muito, já derrubei muitas lágrimas. Mas a paixão
pela Ponte é superior a qualquer coisa."
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