Rio Branco e Atlético Mineiro se enfrentam em 1990

Por Gabriel Pitor Oliveira


Amanhã (31), o Rio Branco entra em campo contra o União Barbarense, às 16h, no Antônio Lins Ribeiro Guimarães, pelo jogo de volta das quartas de final da Copa Paulista 2015. E o Tigre precisa de "um milagre atleticano" para se classificar à semifinal, uma vez que perdeu o jogo de ida por 2 a 0 no DV. Qualquer resultado de três gols de diferença favorece o Rio Branco, enquanto o empate no placar agregado favorece o União. 

Pensando nesse "milagre atleticano" que resolvemos resgatar o jogo entre Rio Branco e Atlético Mineiro, em 7 de julho de 1990. A partida aconteceu no mesmo palco do jogo de amanhã e reuniu dois times com laços históricos, quase irmãos. 

O Tigre da Paulista vivia aquele que seria um ano mágico e inesquecível. O super esquadrão comandado por Afrânio Riul conquistou, em 1 de dezembro, o acesso à elite do futebol paulista, onde o alvinegro americanense permaneceu por 17 anos consecutivos. E é interessante salientar os números daquele fantástico Rio Branco: foram 49 jogos - a começar no dia 14 de fevereiro em um amistoso contra o Independente de Limeira -, sendo 27 vitórias, 14 empates e oito derrotas; 70 gols feitos e 31 gols sofridos.

Para o confronto contra o Galo, o Rio Branco vinha de uma invencibilidade de 14 jogos. 108 dias sem saber o que era derrota. A última tinha acontecido em 21 de março contra o Taubaté por 1 a 0, no Vale do Paraíba. 

Por outro lado, o Atlético, um mês antes, tinha perdido o título do Campeonato Mineiro para seu arquirrival, Cruzeiro, por 1 a 0, gol de Careca. Depois disso, o Galo só enfrentou o Vila Nova/GO pela Copa do Brasil, do qual passou facilmente com um 5 a 0 no placar agregado. O prélio contra o Rio Branco era o principal de uma sequência de amistosos até as oitavas de final da Copa do Brasil contra o Rio Negro/AM. 

Além disso, o calendário do futebol brasileiro estava praticamente parado devido a Copa do Mundo de 1990, na Itália. Por isso, os times nacionais marcavam amistosos tanto em preparação ao Campeonato Brasileiro e Copa do Brasil, caso do Atlético Mineiro, quanto para não perder o ritmo de jogo, caso do Rio Branco que disputava a Divisão Intermediária. 

A bola fora do Consórcio Piracicaba
A partida, apesar de também ter sido combinada entre os dois clubes, teve o intermédio de uma empresa: o Consórcio Piracicaba. O organizador do confronto ofereceu Cr$150 mil ao Tigre da Paulista para aceitar o amistoso. Obviamente, o Rio Branco, que já tinha organizado amistosos "gratuitamente" contra Palmeiras e XV de Piracicaba, acatou a proposta. O Atlético Mineiro teve todas as suas despesas pagas pelo Consórcio.

Mas a empresa pisou na bola quando anunciou que o jogo aconteceria no estádio Antônio Lins Ribeiro Guimarães. O torcedor riobranquense não gostou nada da ideia de ter que ir ao estádio rival e fora de sua cidade para enfrentar o Galão da Massa. Até porque, o Décio Vitta estava em perfeitas condições e tinha capacidade (mais que) necessária para receber o embate.

E a massa riobranquense já estava ambientada com o time. Contra Palmeiras e XV de Piracicaba, excelentes públicos prestigiaram o alvinegro. Na Divisão Intermediária, não era diferente, uma vez que os menores públicos marcavam, em média, 4 mil pagantes. Contra o Independente de Limeira, no dia 3 de junho de 1990 - último jogo antes da sequência de amistosos contra Palmeiras, XV e Atlético -, por exemplo, 11.530 alvinegros estiveram presentes no Décio Vitta.

Para a torcida atleticana, nenhum atrativo. O time estava longe de sua verdadeira casa e no estado de São Paulo não há muitos torcedores do Galo. Certamente, se este jogo acontecesse em território mineiro, a torcida do Atlético marcaria presença.

Resumindo: virou mando de ninguém e um jogo de interesse apenas histórico, porque era o encontro de dois clubes "quase irmãos".

Chuva adia o jogo
Inicialmente, a partida estava marcada para o dia 6 de julho, mas caiu um verdadeiro "toró" na região fazendo com que o gramado do estádio Antônio Guimarães virasse uma piscina. Dessa forma, o embate foi adiado para o dia 7.


Tigre desfalcado lança jogador e Galo com força máxima
Enfim, pré-jogo! Mas o técnico Afrânio Riul tinha dores de cabeça para escalar o seu time: Marquinhos Sartore, goleiro, pediu para ser poupado; Claudir, zagueiro, estava contundido; Miel, volante, estava fora por conta de dores na panturrilha; Silva, atacante, estava contundido no tornozelo; Henrique, atacante, foi poupado por grande desgaste físico; Waguinho (Dias, hoje técnico do União Barbarense), meia, foi poupado pois vinha de sessões de fisioterapia.

Com Henrique e Silva descartados, Riul precisou lançar um novo jogador: Claudinho, de apenas 16 anos. O atleta, revelado na base do Rio Branco, já treinava com o time profissional, ou seja, estava liberado para ser uma aposta no grande confronto. "O Claudinho é bastante jovem, mas já vem treinando há algum tempo com os profissionais e demonstrando competência. Por isso, são grandes as chances de ele ser lançado contra o Atlético", disse o treinador do Tigre ao O Liberal de 6 de julho de 1990.

Claudinho foi o principal jogador das bases do Rio Branco no fim da década de 80 e começo de 90. Tinha um faro de gol inigualável. Além de realmente saber fazer gol, o centroavante era rápido, ligeiro. Combinação perfeita para infernizar a vida do Atlético Mineiro.

Aliás, o Galo não poupou atletas e foi com força máxima para o confronto. Era o principal amistoso preparatório para o jogo contra o Rio Negro, pela Copa do Brasil. Veja o que conta o jornal O Liberal de 6 de julho de 1990: "A delegação do Atlético Mineiro deixou Belo Horizonte ontem às 16 horas e desembarcou no Aeroporto de Cumbica, em São Paulo, por volta das 17h45. No entanto, os mineiros só chegaram em Piracicaba, onde estão concentrados, às 22 horas. O supervisor Mussula (Luiz de Matos Luchesi), em contato telefônico com O Liberal, garantiu que o técnico Artur Bernardes poderá contar com todos os titulares, inclusive o ponta esquerda Eder. "A escalação é feita pelo treinador, mas posso assegurar que a equipe que está disputando a Copa do Brasil virá para o amistoso", disse Mussula."

Sem desfalques, o técnico Artur Bernardes não pensou duas vezes e escalou o time titular que tinha batido o Vila Nova pelas 16 avos da Copa do Brasil.

O jogo
O técnico Afrânio Riul fez uma mudança ousada e surpreendente: Bugre, originalmente atacante, foi para meio de campo, e Cido (e não mais Claudinho) foi colocado no ataque pela ponta-direita. Estava desfeito o tridente de ouro do primeiro Tigre do Brasil: Bugre, o craque Macedo e Adílson. Parecia maluquice - e realmente era -, mas diante dos desfalques e das dificuldades, o técnico riobranquense precisou fazer essa improvisação. Aliás, a mudança se tornava menos absurda quando Bugre tinha qualidade técnica de sobra para atuar no meio de campo.

No Atlético Mineiro, nenhuma surpresa. O time titular de Artur Bernardes estava escalado, inclusive com Eder Aleixo na ponta-esquerda. Gerson, eterno artilheiro atleticano - foram 92 gols em 148 jogos -, era o centravante.

O primeiro tempo foi bastante movimentado. Digno de um embate entre Rio Branco e Atlético Mineiro, ou seja, entre um grande interiorano e um grande/gigante do futebol brasileiro. As duas equipes ousaram e buscaram o gol a todo momento. Éder Aleixo era o trunfo do Galo, enquanto Macedo e Bugre eram peças chaves do esquema do Tigre.

Aos 40 segundos de partida, na primeira trama ofensiva de um dos times, Bugre chutou da entrada da área, Maurício falhou e a bola morreu no fundo das redes. 1 a 0 Rio Branco.

O Atlético Mineiro achou que o Rio Branco iria recuar, mas os comandados de Afrânio Riul seguiram no ataque e, surpreendentemente, o tridente ofensivo riobranquense dava muito trabalho a defesa do Galo. Deu certo a mudança de Riul, pois Bugre estava fazendo um grande papel no meio de campo ao lado de Pianelli.

Porém, aos 36 minutos, em um contra-ataque puxado por Aílton e tabela com Gerson, o centroavante do Atlético Mineiro empatou: 1 a 1.

O segundo tempo foi mais pegado no meio de campo, já que o Galo tinha dificuldades para frear o ímpeto dos atacantes do Rio Branco. As melhores jogadas do time mineiro partiam da individualidade de Eder Aleixo ou Marquinhos.

Sem mais tentos, a partida terminou no empate: 1 a 1. Segundo o jornal O Liberal de 8 de julho de 1990: "O placar final (1 a 1) refletiu o equilíbrio de forças entre as equipes, apesar de que o Rio Branco teve maior volume de jogo e chegou a criar mais chances para vencer."

Estava encerrada a batalha dos quase irmãos. E o Tigre da Paulista provou o seu valor, mesmo sendo teoricamente um time mais modesto que o Galão da Massa.


Ficha técnica: Rio Branco 1x1 Atlético Mineiro
Jogo: Rio Branco Esporte Clube 1x1 Clube Atlético Mineiro
Local: Estádio Antônio Lins Ribeiro Guimarães - 10h
Gols: Bugre - 1x0 Rio Branco; Gerson - 1x1
1º tempo: Rio Branco 1x1 Atlético Mineiro
Final de jogo: Rio Branco 1x1 Atlético Mineiro
Renda: Cr$60.600,00
Público: 369 pessoas (menor público do ano)
Árbitro: José Aparecido de Oliveira
Auxiliares: Manoel Gil Gomes e Thompson Mário Galvão
RIO BRANCO (4-3-3): Carlos; Jorge Luis (Bira), Aílton Luis, Edson Fumaça e Gilson; Pedro Paulo, Bugre e Pianelli; Cido, Macedo (Claudinho) e Adilson (Mirandinha). Técnico: Afrânio Riul.
ATLÉTICO MINEIRO (4-3-3): Maurício; Carlão (Riuler), Cléber, Toninho Carlos (Paulo Sérgio) e Paulo Roberto; Moacir, Aílton e Marquinhos (Wallace); Nilton (Tato), Gerson e Éder Aleixo (Mauricinho). Técnico: Artur Bernardes. 

DETALHES
- Perceba o quão ofensivo estava o Rio Branco: Bugre, Pianelli, Cido, Macedo e Adilson. Pianelli era o clássico camisa 10 do Tigre. Bugre era um atacante improvisado no meio de campo, ou seja, meia-ofensivo. E, por fim, três atacantes: Cido, Macedo e Adilson. 
- Time pequeno? Pianelli foi um dos melhores meias do futebol paulista na década de 80. Ex-XV de Piracicaba e São Paulo. Macedo foi revelado no Rio Branco, mas viria ser um craque do São Paulo e da Seleção Brasileira. Bugre era apontado como promessa da década de 80 no Morumbi.
- Para provar a titularidade do adversário pegamos uma escalação do Centro Atleticano de Memória entre Atlético Mineiro e Atlético de Madrid: Rômulo; Carlão, Cléber, Toninho Carlos (Tobias) e Paulo Roberto; Éder Lopes, Marquinhos e Tato (Mauricinho); Gilberto Costa, Gerson e Éder Aleixo.
- O público pífio do amistoso - e aí está a bola fora do Consórcio Piracicaba - acarretou em prejuízos à empresa organizadora. 

"Quase irmãos"
Mas afinal, por que quase irmãos? Obviamente não podemos dizer que são irmãos porque não foram fundados pela mesma pessoa. Mas o Rio Branco carrega várias características que são inspiradas do Atlético Mineiro, como um "irmão adotivo".

Vamos lá!

A primeira característica é tradicional camisa listrada. A camisa listrada do Rio Branco nasceu de inspiração do Atlético Mineiro. Aliás, em 2010, o hoje vice-prefeito de Americana, Roger Willians, e que antes possuía um site esportivo, fez uma matéria com título de "Ela vai voltar...", contando toda a história da camisa listrada. Nela, Totó Bressan, ex-dirigente do Tigre, declara que deveria ser proibido o Rio Branco não utilizar camisas listradas.

Mas como o Rio Branco se inspirou no Atlético Mineiro sendo que não estava no mesmo estado mineiro e se o Galo ainda não tinha tamanha relevância nacional? Aliás, até pela força do estado de São Paulo e a irrelevância do futebol mineiro na década de 20, o Tigre, com os vices-estaduais de 1922 e 1923 (Taça Competência), tinha mais relevância que o Atlético.

O Atlético Mineiro, apesar de quase não ter saído do estado nas primeiras décadas, disputou alguns amistosos e torneios amistosos no estado de São Paulo contra os times da capital na década de 10 e 20. Tudo isso era divulgado na Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, que apesar de ser uma época com comunicação remota, os jornais já chegavam no interior paulista, especialmente nos grandes centros (como Campinas, cidade a qual Americana pertencia). Os jornais possuíam poucos registros fotográficos - na verdade, eram mais fotos dos jogadores como "santinhos" -, mas era completamente possível identificar a camisa que os jogadores vestiam. Sem contar, claro, dos registros fotográficos da época, ainda em preto e branco e em pequena resolução.

Vale lembrar também que antes do Rio Branco utilizar as camisas listradas, o alvinegro usava camisa branca lisa e calção e meia pretas, isso de 1913-1917 e 1919-1920.

Perceba como as camisas se assemelham:

Foto: Manoel Higino
Atlético da década de 20. Foto: ADEMG
O trio maldito atleticano - Década de 20
Foto: Jairo Said
Rio Branco de 1932
Foto: Fernando Guerra
Rio Branco vice-estadual de 1922
Foto restaurada por Henrique Silveira
Equipe juvenil do Tigre de 1938
Foto: Fernando Guerra

Depois das camisas vem o escudo do Tigre no fim da década de 50 e começo de 60 - que, aliás, inspiraria o atual escudo. O Rio Branco fez um escudo igualzinho ao do Atlético Mineiro da década de 50 e começo de 60. 

CAM e RBFC da década de 50 e começo de 60
Almanaque da FPF de 2007
Alguns conhecem o escudo da década de 50/60 dessa forma.
São apenas variações gráficas, os dois modelos estão corretos,
apesar do mostrado anterior ser o mais aceitável.
Este escudo da década de 60, viria a inspirar o atual:


A terceira é o estádio da Rua Fernando de Camargo que segundo o colunista mais maluco da história de Americana, Honorato, foi inspirado no estádio de Lourdes, do Atlético Mineiro. Porém, é bom alertar aos riobranquenses: é mais fé do que verdade. Honorato costumava escrever algumas maluquices como o Rio Branco fundado em 1912, sendo que há atas comprovando que nasceu em 4 de agosto de 1913. Enfim, até onde essa informação é verdade ninguém sabe, mas uma rápida busca pela internet pode-se achar fotos dos dois estádios que possuem alguns poucos traços semelhantes.

Está aí alguns laços históricos entre Rio Branco e Atlético Mineiro. Vale ressaltar que vários jogadores do Tigre foram negociados com o Galo em toda a história e o time mineiro sempre teve privilégios nas negociações, o que caracteriza uma certa empatia entre a diretoria dos dois clubes. 

E esperamos que futuramente eles voltem a se enfrentar, mas dessa vez não por amistoso e sim por campeonatos importantes do nosso futebol, algo que já passou perto de acontecer. Aliás, depois de 1990, Tigre e Galo se encontraram pela última rodada da primeira fase da Copa São Paulo de Juniores de 2009, Na ocasião, os dois alvinegros brigaram pela liderança do grupo e a classificação à segunda fase. Deu Rio Branco, na época atual vice-campeão da competição, 3 a 0. 

Ah! E claro, além de agradecer pela honra de jogar com o nosso "quase irmão", nunca é tarde para fazer um pedido: Galo, nos empresta umas horinhas do seu milagre, faz favô! Nóis tamo acreditando na virada!

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