Vasco e Carioba lutam pela Taça Centenário de Americana em 1975

10/12/2016 0 Comments

O futebol reserva momentos e contextos irônicos. Em 1975, Vasco da Gama e Carioba lutaram bravamente pelo título de "Campeão do Centenário" da cidade de Americana. Porém, antes de contarmos toda a ironia por trás desse troféu, nos remetemos à história da Princesa Tecelã. 

A Villa (com dois "L" mesmo) Americana nasceu oficialmente em 27 de agosto de 1875 com a formação de moradias temporárias e com o loteamento de terras da Fazenda Machadinho - de Ignácio Corrêa Pacheco - ao redor da Estação Santa Bárbara, um prolongamento da linha tronco da Cia. Paulista. A partir daquele momento, como diz o hino da cidade, um "povoado formou".

Entretanto, a "Vila dos Americanos" já era uma realidade. Na década de 60 do século XIX, os primeiros americanos como Willian Hutchinson Norris, advogado e ex-senador do estado de Alabama, e sua família vieram para a região - todos refugiados da Guerra de Secessão - e se instalaram próximos à Fazenda Machadinho. Também nessa década chegaram os primeiros confederados que trouxeram - e aqui novamente citando o hino de Americana: o trole, a melancia, o algodão e o arado. 

Com a ampliação da linha tronco da Cia. Paulista - muito apoiada pelos confederados -, com a formação de um povoado ao redor da Estação Santa Bárbara, com a futura criação da Tecelagem Carioba e com a região tendo vários moradores por conta das fazendas Machadinho, Salto Grande e Palmeiras, não tinha mais requisitos para oficializar a Villa Americana. 

Cem anos depois, a cidade viveu muitas comemorações. Desde eventos e inaugurações de monumentos e locais até a recepção de familiares dos confederados fundadores. 1975 foi um ano de muita festa em Americana. E um dos "eventos" comemorativos ao centenário da Princesa Tecelã foi uma taça, a ser jogada no feriado do dia 12 de outubro, entre o Vasco da Gama, único representante do futebol profissional do município, e o campeão amador de Americana - na época, o torneio era conhecido como "Gigantão". 

Nunca tinha se criado tamanha expectativa pelo campeão amador de Americana. Muitos torciam para que o Flamengo fosse o vencedor a fim de fazer o já conhecido "Clássico Caipiro-Carioca" em busca do título maior de "Campeão do Centenário". Entretanto, tinha um time sedento como nunca pelo título de 100 anos: o Carioba. E aí entra o fato irônico e curioso por trás da Taça Centenário de Americana. 

Em 1922, o Rio Branco, arquirrival do Carioba, sagrou-se campeão do "Centenário da Independência do Brasil" ao abater por 2 a 1 o Taubaté na final do Campeonato do Interior. Depois daquele título, o Tigre da Paulista carregava por todo canto a alcunha de "Campeão do Centenário", inclusive na capital do estado. E por muito tempo esta foi a maior glória que um riobranquense poderia se gabar para o seu rival cariobense. Por décadas, além dos xingamentos de "colonos", "fazendeiros", "escravos" e "ladrões", os riobranquenses "encheram o saco" dos torcedores vermelhinos com o título do Centenário. 

1975, então, era a hora da vingança. Se o Carioba não poderia mais ser o Campeão do Centenário da Independência do Brasil, talvez pudesse ser o Campeão do Centenário de Americana. A Vermelhinha investiu até o que não tinha de dinheiro em um time forte para conquistar o Amador e, posteriormente, fazer frente com o Vasco na Taça Centenário. 

E aí carrega outra grande ironia - que é triste: o Carioba investiu tanto, buscou tanto esse título que no ano seguinte não aguentou e novamente se afastou do futebol. Mais tarde, o clube como um todo anunciaria o encerramento de suas atividades.

O Carioba morreu tentando se vingar do Rio Branco. 

O Rio Branco que voltaria ao futebol em 1979 com a ajuda do Vasco (mas com o nome de Americana EC). 

O certame amador e a Taça Centenário de Americana
O Gigantão 75 teve a participação de 20 times divididos em quatro grupos. Os dois melhores de cada grupo iriam para a segunda fase. Assim estavam divididas as chaves: 

GRUPO I - Carioba, Primavera, Flamengo, Torino e Rio Branco (juniores)
GRUPO II - Sete de Setembro, São Manuel, América, Bangu e Atleta
GRUPO III - São José, Universal, Bonsucesso, São Vito e Estrela do Mar
GRUPO IV - Vila Jones, Voluntários da Pátria, Colorado, Santarosa e Guarani

PRIMEIRA FASE (SÓ TURNO)
GRUPO I - 
Carioba - 8 pontos (classificado)
Torino - 6 pontos (classificado)
Flamengo - 4 pontos
Rio Branco - 2 pontos
Primavera - 0 ponto

GRUPO II -
Sete de Setembro - 6 pontos (classificado)
América - 6 pontos (classificado)
São Manuel - 4 pontos
Bangu - 3 pontos
Atleta - 1 ponto 

GRUPO III -
Estrela do Mar - 7 pontos (classificado)
São José - 5 pontos (classificado)
São Vito - 4 pontos
Bonsucesso - 3 pontos
Universal - 1 pontos

GRUPO IV - 
Vila Jones - 6 pontos (classificado)
Santarosa - 6 pontos (classificado)
Guarani - 5 pontos
Voluntários da Pátria - 3 pontos
Colorado - 0 ponto

SEGUNDA FASE (TURNO E RETURNO)
GRUPO I - Estrela do Mar, Carioba, São José e Torino
GRUPO II - Sete de Setembro, Vila Jones, América e Santarosa

GRUPO I -
Carioba - 12 pontos (classificado)
São José - 4 pontos (classificado)
Torino - 3 pontos
Estrela do Mar - 1 ponto

GRUPO II -
América - 8 pontos (classificado)
Santarosa - 6 pontos (classificado)
Vila Jones - 5 pontos
Sete de Setembro - 1 ponto

FASE FINAL (SÓ TURNO)
Disputaram: Carioba, São José, Santarosa e América

JOGOS
24/08 - Carioba 3x2 América - Parque Dona Albertina (Carioba)
24/08 - Santarosa 1x1 São José - Parque Dona Albertina (Carioba)

31/08 - América 2x0 Santarosa - Parque Dona Albertina (Carioba)
31/08 - São José 2x3 Carioba - Parque Dona Albertina (Carioba)

07/09 - América 6x3 São José - Victório Scuro

JOGO DO TÍTULO
07/09 - Carioba 1x0 Santarosa* - Victório Scuro
CARIOBA - Andrada; Bertinho, Bio, Arnô e Helinho; Cobrinha, Nenê e Melado (Bimba); Flávio (Tuca), Bonitão e Tó.
SANTAROSA - Camondá; Airton, Pacau, Buglê e Valdoiro; Cabeludo, Wilmo e Lando; Joãozinho (Cangica), Baiano e Geraldo.

Gol: 44' 2T - Bonitão
Árbitro: José Carlos Pinto
Auxiliares: Ademar Ribeiro e Antonio de Souza

*O Santarosa atuou com dois jogadores irregulares (Valdoiro e Baiano) propositalmente, já que se assim não fizesse perderia por W.O. por falta de jogadores.

CLASSIFICAÇÃO FINAL
Carioba - 6 pontos (campeão)
América - 4 pontos (vice-campeão)
São José - 1 ponto
Santarosa - -1 pontos

O Liberal de 9 de setembro de 1975 se precipita e coloca Carioba como "O Campeão do Centenário" antes da final da Taça Centenário de Americana

A TAÇA CENTENÁRIO DE AMERICANA
Após o título do Carioba no certame amador, a cidade começou a viver a expectativa da final da "Taça Centenário" e que, ao contrário do que O Liberal noticiou no dia 9 de setembro, verdadeiramente declararia o "Campeão do Centenário de Americana".

Neste jogo, além da taça, o Vasco colocaria as faixas de campeão no time do Carioba. Então, a expectativa era maior ainda para a torcida vermelhina ver seu bravo esquadrão receber os louros da vitória.

O Liberal de 20 de setembro de 1979 destaca a reunião entre Vasco e Carioba para alinhar a Taça Centenário de Americana
Para se ter uma ideia da expectativa cruzmaltina para o confronto, o Vasco acertou para o dia 28 de setembro um amistoso contra o misto do Guarani, de Campinas, como preparação. No mesmo dia em que foi anunciado o prélio, o O Liberal de 23 de setembro destaca o que foi decidido entre os postulantes ao título de "Campeão do Centenário": 

"Na reunião realizada sábado entre mentores cruzmaltinos e cariobenses, todos os detalhes foram acertados para os dois jogos "comemorativos". O primeiro deles será efetuado em Victório Scuro, dia 12 próximo, ocasião em que os vascaínos colocarão as faixas de campeões nos vermelhinos. Outras festividades estão programadas para esta tarde memorável do nosso futebol, onde o público americanense poderá reviver grandes jornadas aqui já efetuadas. 

O segundo jogo será em Carioba, dia 19, quando então os cariobenses estrearão novo uniforme e com algumas modificações inclusive."

Após o amistoso contra o Bugre, encerrado em empate por um tento, era hora de se preparar para o grande confronto valendo a Taça Centenário de Americana. E o clima não era dos mais amistosos...

O Liberal de 30 de setembro de 1975 traz matéria especial com diretores vascaínos e cariobenses
buscando retirar o "Clima de Guerra" já existente
A semana do "pega", destaca o jornal O Liberal de 7 de outubro de 1975
DECET confirma o Troféu Centenário na disputa entre Vasco e Carioba
O Liberal de 9 de outubro de 1975
Batista, zagueiro do Vasco, provoca o Carioba: "Vamos ganhar de 4 a 0"
O Liberal de 11 de outubro de 1975
PAPELÃO, MAS VASCO VENCE
Diante de um público expressivo no estádio Victório Scuro, Vasco e Carioba começaram os primeiros 90 minutos de luta pela Taça Centenário de Americana. Bom, foram os noventa primeiros e últimos também.

O clima era muito tenso entre as equipes. Em 25 minutos de jogo, dois atletas, Diceu do Vasco e Cuvre do Carioba, foram expulsos de campo tamanha reclamação com o árbitro da partida, Paulo Camargo Neves. E toda a etapa inicial foi assim: muita reclamação, briga, empurra-empurra e confusão.

No segundo tempo, os times voltaram mais dispostos a "jogar futebol". O cotejo estava transcorrendo bem, apesar de alguns lances ainda fugirem da normalidade, até que em uma bola cruzada para área, o goleiro do Vasco, Jacaré, o zagueiro cruzmaltino, Adalberto, e o atacante cariobense, Tó, dividiram e brigaram pela bola. O ponteiro vermelhino, ao tentar tirar a bola das mãos de Jacaré, chutou a cabeça do arqueiro vascaíno. Era o que faltava para explodir de vez.

O tumulto foi generalizado. Entre socos, provocações e discussões, o árbitro acabou encerrando a partida aos 33 minutos. O goleiro Jacaré foi levado ao Hospital São Francisco em uma atitude de prevenção a um possível traumatismo.

O presidente do Vasquinho, Roberto Manzillo, lamentou o ocorrido em entrevista ao O Liberal: "Já há quinze dias que eu, particularmente, vinha pedindo paz e não guerra. A guerra, infeliz e lamentavelmente, aconteceu (...) Não vamos jogar em Carioba, não há condições para que esse jogo seja realizado. Se quiserem, podemos colocar apenas as faixas no time deles, mas jogar não tem como."

Geraldo Pinhanelli, famoso comunicador da Rádio Clube, lamentou o ocorrido: "Reclamam a ausência da Clube nos estádios de futebol. Há condição, por acaso, de registrarmos acontecimentos como este de hoje? O que vamos dizer aos nossos ouvintes?".

Um torcedor do Carioba, bastante exaltado segundo o O Liberal, bradava: "Quando o Carioba tinha tudo para empatar, pois eles já não tinham mais fôlego, o juiz encerrou o jogo."

O placar final foi de 1 a 0 para o Vasco da Gama. O tento único foi marcado por Fio aos 16 minutos da primeira etapa.


CANCELADO O SEGUNDO JOGO, VASCO FICOU COM A TAÇA
O jornal O Liberal de 18 de outubro de 1975 traz a seguinte nota sobre o jogo de volta:

"CANCELADO
Foi definitivamente cancelado o segundo encontro entre Vasco e Carioba, após uma reunião que durou cerca de 2 horas na sede social vascaína, quarta-feira última. Insistiram os mentores cariobenses para que a segunda peleja fosse efetuada, com o intuito de apagar a má-impressão deixada pelo primeiro cotejo, mas os cruzmaltinos estiveram irredutíveis: "Não há condição de se jogar outra vez, pelo menos de imediato". O Carioba vai convidar uma outra agremiação para a colocação das faixas de campeão, bem como para um jogo onde o seu novo uniforme será utilizado."

No jornal O Liberal de 25 de outubro de 1975, ao destacar o amistoso contra o Jabaquara de Santos, é colocado que o Vasco foi o campeão e recebeu do DECET a Taça Centenário de Americana.

O Carioba convidou o Grêmio Recreativo Frum da capital, campeão do torneio "Desafio ao Galo" organizado pela TV Record, para o prélio de entrega de faixas no dia 1 de novembro.

Este confronto do dia 12 de outubro de 1975 foi o antepenúltimo do Esporte Clube Vasco da Gama em sua história - pelo menos com este nome. Depois disso, mais dois prélios: em 9 de novembro, 2 a 0 sobre o Jabaquara de Santos; e no dia 16 de novembro, contra o União Possense em comemoração ao aniversário de Santo Antônio de Posse, cujo resultado é desconhecido.

A diretoria do cruz de malta americanense, no dia 8 de fevereiro de 1976, votou pela troca de nome de Esporte Clube Vasco da Gama para Americana Esporte Clube. O primeiro cotejo dos aequinos foi em 9 de maio de 1976 contra o Capivariano, em Capivari: vitória por 1 a 0.

O Clube Recreativo e Esportivo Carioba se afastou das atividades futebolísticas em 1976 e, um ano depois, anunciou o encerramento/falimento total de suas atividades. Com isso, foi decretada a morte da "Vermelhinha".

Ficha técnica: Vasco da Gama 1x0 Carioba
Data: 12/10/1975
Placar final: Vasco da Gama 1x0 Carioba
Placar 1º tempo: Vasco da Gama 1x0 Carioba
Local: Victório Scuro
Renda: Cr$6.600,00
Árbitro: Paulo Camargo Neves
Assistentes: Oswaldo Linarello e João Antonio de Oliveira

Vasco da Gama: Jacaré; Carioca, Adalberto, Marcão e Romualdo; Silvinho, Dirceu e Luís Carlos; Marquinho, Fio e Bugre. Técnico: Bidon.

Carioba: Nenê; Bertinho, Arnô, Cobrinha e Helinho; Daio, Nenê e Amarildo; Covre, Tuca (Flávio) e Tó.

Gol:
VAS - Fio 16' 1T

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